segunda-feira, 7 de maio de 2012

Devolução.

Quando a gente toma algo emprestado, fica difícil querer devolver. Um livro, uma peça de roupa, um brinquedo, qualquer coisa. Depois de um tempo, nasce em nós a sensação de que aquilo é nosso. Ora, está ali, tão perto de mim, ao meu dispor. Em muitos momentos, não nos lembramos que determinada coisa que pegamos emprestada, definitivamente, não nos pertence.

Lembro do dia que troquei o meu Nintendo 64 pelo Playstation de um amigo, só por um tempo. Passaram-se meses. Tão entretido eu estava com o video-game, que esqueci completamente do outro, o que ficou com o meu amigo Pedro. Um belo dia, ele me liga dizendo "Quero o meu Playstation de volta." Na hora da devolução, inexplicavelmente, bateu-me a melancolia. Eu já não tinha mais o Playstation.

Mesmo numa experiência bastante comum no cotidiano de muitos universitários, como eu, é possível ver esse fenômeno. A biblioteca da faculdade está ali para nos servir. Diversos livros, cada um mais velho e mais rasgado que o outro, de tanto manuseio, servem para nossa consulta e empréstimo. Não dá uma pena quando não podemos mais renovar o empréstimo, tendo que devolver o livro?

Não é péssimo quando o banco aparece na porta da sua casa para cobrar de volta bens financiados pelo mesmo que não foram pagos pelos devedores? Chega a ser humilhante. Nunca tive experiência nisto, nem pretendo tê-la. Mas imagino o nível de estresse de alguém que passa ou já passou por isso. Não deve ser fácil ver o banco tomar o "seu" carro, "sua" casa, "seus" bens.

Acostumados ficamos com as coisas que não são nossas. Muitas vezes (e tento não ser hipócrita ao falar isto), a gente torce para que a pessoa "esqueça" que nos emprestou alguma coisa, como um livro, por exemplo. Um amigo de adolescência me dizia sempre que "quem empresta, não presta." Talvez o ser humano não preste, mesmo. Mas a natureza presta, sim. E presta muito. E empresta. O nosso corpo.




Somos matéria terrestre. Todo material que somos vem da terra, e quanto a isso não tem o que se questionar. É afirmado científica e biblicamente que viemos da natureza (pó) e para ela iremos retornar, um dia, para devolver aquilo que ela nos emprestou. É como um acordo pré-estabelecido desde o início dos tempos. Infelizmente, só a terra está cumprindo esse acordo.

Morrer é difícil. Talvez nem tanto para a pessoa que vai morrer ou que já morreu. Morrer é difícil para nós, que ficamos aqui. A dor, a tristeza, a saudade e o luto ficam conosco, e não com a pessoa que partiu. É triste, para todo mundo, saber que vai chegar a hora de deixar esta realidade, bem como tudo aquilo que acumulou, que ficará para os outros. Mas para os parentes e amigos, essa dor é forte. Muito forte.

Resta o consolo de saber que a pessoa descansou de suas dores. Descansou deste mundo, tão falido e desrespeitado. Descansou dos problemas que enfrentou, da falta de recursos ou do excesso deles, do perigo de um assalto, da maldade das pessoas, da falsidade alheia, dos desastres naturais, ou mesmo da dor de ver alguém que partiu antes. Agora, o descanso, o retiro, se faz presente, no túmulo ou nas cinzas.

É aí que a natureza toma de volta o que lhe pertence. Todo material humano composto de ferro, zinco e outros elementos retornam à sua origem. Serão aproveitados para outras finalidades. A terra é mestra em reciclar material orgânico. Toda energia se transforma. Nada se cria, nada se perde. Isto eu aprendi nas minhas aulinhas de Física, há 7 anos atrás. Pude aproveitar essa frase, já que não era dos melhores alunos.

Outras vidas irão cessar. Vidas maiores, menores, muito menores e quase invisíveis darão lugar aos desígnios do acaso. A memória fica. Todas as lembranças permanecem vivas dentro do coração. Por mais clichê que a frase pareça, ela faz todo o sentido. Sério mesmo. As lembranças criam uma vida espetacular dentro de nós. Tornam-se a maior referência, em nossa memória, daquele(a) que partiu.


Deus abençôe vocês.


Post dedicado à Dona Alayr, a saudosa Tia Maninha da minha namorada, cuja voz posso ouvir neste momento, perguntando: "Pra quê esse 'Dona'?"

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